Há 15 anos, um craque conquistou a América do Sul
Depois de certa idade o tempo acelera de maneira inexorável. Os anos passam na velocidade de um carro Fórmula um. O tique taque do relógio ecoa em nossos tímpanos e a gente percebe então a coerência daquela famosa frase do locutor da Rádio Relógio: “Cada segundo é um milagre que não se repete”. Algumas vezes, a preocupação com o presente e o futuro causa o esquecimento imperdoável de um passado recente. Há 15 anos, o craque Much Better escreveu algumas das mais belas páginas do turfe brasileiro. O castanho criado no Haras J.B. Barros defendeu de forma gloriosa a farda do Stud TNT e conquistou na mesma temporada, 1994, todas as principais provas da América do Sul.
Much Better teve início de campanha apagado, mas seu treinador, o saudoso João Luiz Maciel, era um gênio na arte de preparar cavalos de corrida. “Ele é craque e vai provar esta condição em breve. Mas é o tipo de cavalo que só evolui com a seqüência de corridas. O puro-sangue tardio é assim”, ele sempre repetia. Depois de algumas corridas sofríveis, o filho de Baynoun e Charming Doll foi operado do joelho pelo veterinário Flávio Geo Siqueira. Voltou às pistas para conquistar todas as glórias possíveis montado pelo campeão dos campeões, Jorge Ricardo.
Em final de fevereiro de 1994, eu estava no quiosque do centro de treinamento do Haras Vale da Boa Esperança, em Itaipava. João Maciel apertava as agulhas do seu cronômetro, enquanto seus pensionistas trabalhavam numa perfeita pista de areia. O jovem treinador, com 31 anos, ali estava desde 1986, e já colecionava vitórias importantes em quase todas as provas do calendário clássico. Era uma sumidade. Um garoto prodígio. Mas João Maciel era ambicioso e sonhava sempre mais alto. Logo depois de Much Better perder o GP Brasil de 1993 para Villach King, no olho mecânico, ele virou-se para mim conformado e afirmou em tom profético. “Perdi hoje, mas no ano que vem nós vamos ganhar tudo”, sentenciou.
Much Better entrou na pista para trabalhar montado por Nelson Marinho, melhor redeador da equipe. Era o exercício final para o Latino-Americano, na semana seguinte, em La Plata, na Argentina. Fez ótimo treino, mas quando saiu da raia, Marinho virou-se para João Maciel preocupado: “A respiração está muito ofegante. Ele cansou”, afirmou. Maciel limitou-se a sorrir e falou; ”É claro Neguinho! O cavalo está uns 15 quilos acima do peso em que vai correr. Você esqueceu que ele vai viajar três horas de avião para Buenos Aires e mais uma hora e meia de caminhão até La Plata?”, questionou sem perder a calma.
Much Better viajou com 495 quilos. No dia seguinte, em La Plata, apenas descansou depois de caminhar. Na quinta-feira foi para a raia de fez um apronto de 800 metros em 49s. João Maciel então perguntou para Nelson Marinho. “E agora Neguinho; O que é que você me diz do cavalo?”. O redeador abriu um largo sorriso e falou; “Agora é o Much Better que eu conheço. Nem parece que ele fez um treino forte”. João Maciel levou o cavalo para pesar. A balança mostrou 480 quilos. Era incrível! Ele estava no peso que Maciel queria para competir. No sábado, diante de um hipódromo superlotado Much Better derrotou o chileno Enfático e o brasileiro Romarin e conquistou o Latino-americano.
Em maio, Much Better foi disputar o GP São Paulo. João Maciel já confidenciara a mim e ao Ricardinho que era portador de doença incurável. Não quis entrar em detalhes, mas afirmou que tinha apenas mais uns dois anos de vida e, portanto, pouco tempo a perder. Depois do Latino-americano, o treinador repetia sempre que tinha mais quatro metas para realizar antes de morrer. Ganhar o GP São Paulo, o GP Brasil, o GP Carlos Pellegrini e a estatística de treinadores.
“A estatística é a meta mais fácil de cumprir. Estou com 120 cavalos, de alguns dos melhores proprietários do país. É quase uma obrigação levar a melhor. Quanto aos outros páreos, à gente só não ganha por falha minha na preparação do cavalo ou do Ricardo na corrida. Por que Much Better é um super craque e a nossa obrigação é fazer a nossa parte direito”, afirmou.
Todos fizeram sua parte. Much Better venceu o GP São Paulo, o GP Brasil e o GP Carlos Pellegrini. E ainda teve tempo de correr o Arco do Triunfo, em Paris, aonde chegou na 14ª colocação, entre os 23 melhores cavalos do mundo. Voltou ao Brasil e 21 dias depois perdeu a Copa ANPC para Fantastic Dancer na fotografia, em tempo recorde. Um cavalo fantástico, com um treinador de outro planeta e montado pelo melhor jóquei do universo.